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Nota divulgada pela ASA (Articulação no Semi-Árido Brasileiro)

 
 
Prezados, bom dia

 
Segue a nota divulgada pela ASA - Articulação no Semi-Árido Brasileiro. Parece "mais do mesmo" quando o assunto é o Nordeste, já que tantos brasileiros (universitários, principalmente) desconhecem ou aceitam a suposta realidade das regiões brasileiras de acordo ao que a mídia ou o pobre livro (anti) didático apresenta. Mais uma vez vemos o quanto as políticas públicas para água beneficiam o setor do latifúndio monocultor no Nordeste (secular) e o crescente setor da mineração. A mídia expõe o chão rachado e os (des)avisados (ou melhor, (des)interessados) veem e aceitam aquele signo. Assim, secularmente, as particularidades climáticas são tidas como causa do infortúnio dos povos Sertanejos da Caatinga. Onde "nasceu" o latifúndio? Por que o Oeste da Bahia é concebido como um território de prosperidade para a soja? E as atividades de mineração (Urânio, minério de ferro?)? Atividades que utilizam grande volume de água, mais e mais poços artesianos perfurados e o Estado, via órgãos de concessão da outorga, está sempre disposto a não emperrar o bom andamento de tais atividades. Eu conheço essa realidade porque leio, não só porque sou do Nordeste. É preciso tentar desvelar esses conflitos! São territórios em disputa a partir de um elemento que aqui no Nordeste é estratégico para a riqueza do setor industrial e do agronegócio, não para a manutenção da dessedentação humana e animal e para outras atividades de primeira necessidade. Aqui, não pelos dados pluviométricos, a falta de água é um problema secular pela utilização prioritária para o latifúndio e indústria.
Lembrem-se dos signos relacionados à questão nordestina, o cinza da vegetação, o chão rachado, carros-pipa, latas de água na cabeça das mulheres, mão-de-obra barata, pra quem (e pra quê) esses signos servem? Alguém já teve a curiosidade (ou acesso) ao EIA/RIMA da Transposição do Rio São Francisco? Esses signos estão lá!
Por: Ana Paula Pires, mestranda em Geografia da Universidade Federal de Goiás, campus Catalão.

Trinta anos depois da seca de 1982, o território baiano se encontra em estado de emergência devido às poucas chuvas deste ano. Para a sociedade civil organizada o fenômeno não surpreende, já que estudos sobre o comportamento das chuvas no Nordeste, realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), concluíram que as secas são cíclicas, portanto, previsíveis.

O Estado brasileiro sabia que haveria um período de estiagem este ano. Mas o que fez para evitar que a situação das comunidades alcançasse tamanha gravidade? É o momento de perguntar: Por que obras como a Transposição do Rio São Francisco têm aumento bilionário enquanto as adutoras que deveriam distribuir água para as populações rurais do Nordeste não saem do lugar? Por quanto tempo ainda persistirá a lógica de combate à seca que marca a atuação do Estado em nosso território?

 

A consequência disso é devastadora e desoladora. Hoje, a maioria das cisternas está vazia ou com pouquíssima água. Os animais, se ainda não foram vendidos aos atravessadores que se aproveitam da situação, lutam diariamente para sobreviver em meio à escassez do líquido precioso da vida. Não houve safra agrícola, nem apícola. Paradoxalmente, na borda do lago de Sobradinho a produção foi engolida pela cheia da “Mãe Chesf”.

 

A cada dia aumenta a circulação de carros-pipa e, muitas vezes, com preços absurdos, pagos pelas comunidades. No município de Campo Alegre de Lourdes uma carrada de água (8.000 litros) chega a custar R$ 700,00 (Setecentos Reais). Em ano eleitoral, a Indústria da Seca ressurge com força, sustentada na necessidade do povo e alicerçada na ausência de políticas públicas efetivas.

 

As organizações populares defendem e executam com parcos recursos a proposta da Convivência com o Semiárido, através da implementação de Tecnologias Sociais. São elas que estão evitando situação tão catastrófica para a população como em 1982. Constata-se que a infraestrutura construída durante esses anos é ainda insuficiente para enfrentar uma situação extrema como essa. Portanto, é hora de o Estado brasileiro rever a política hídrica oficial, que continua provocando o sofrimento de milhares de famílias sertanejas.

 

Estamos em situação de emergência. Portanto, pleiteamos medidas emergenciais e estruturantes para que a população esteja cada vez mais preparada a conviver com esses períodos extremos de diminuição das chuvas:

 

Medidas Emergenciais:

 

1. Abastecimento imediato e contínuo das cisternas com água tratada, bancada pelo Estado, logo, distribuída gratuitamente. Onde não for possível abastecer com água tratada, que seja acompanhada de hipoclorito para que as próprias famílias possam fazer em casa a filtragem e tratamento.

 

2. Disponibilização de recursos do Estado para contratar mão de obra local a fim de construir e/ou manter obras estruturantes – cisternas (de cimento) de beber, de produzir, barragens subterrâneas, barreiros profundos, poços tubulares etc.

 

3. Financiamento público para a alimentação dos animais;

 

4. Criar comitês gestores municipais dos recursos públicos destinados às ações emergenciais, garantindo a representação majoritária da sociedade civil organizada.

 

Medidas Estruturantes:

 

1. Reconhecer o direito das comunidades no acesso e garantia das terras e territórios para democratizar a água;

 

2. Continuar a infraestruturação das comunidades com as Tecnologias Sociais acima citadas (cisternas, barragens, barreiros etc.);

 

3. Implementar as adutoras – ou serviços de água – previstas no Atlas de Águas do Nordeste (Agência Nacional de Águas) para 1.794 municípios: Alagoas (102); Bahia (417); Ceará (184); Maranhão (217); Paraíba (223); Pernambuco (185); Piauí (224); Rio Grande do Norte (167); Sergipe (75).

 

4. Frear o avanço das mineradoras para, assim, preservar a pouca água existente, uma vez que em boa parte do território baiano há o risco de que as insuficientes fontes de água existentes virem depósitos de rejeitos da mineração;

 

5. Irrigação: rever a política de irrigação que demanda o dinheiro público e constrói canais para os lotes irrigados, mas não abastece as populações com necessidades básicas de consumo humano. É necessário lembrar que a Lei Brasileira de Recursos Hídricos (9433/97) define que a disponibilidade de água deve priorizar o abastecimento humano e a dessedentação dos animais;

 

6. Por fim, as organizações populares precisam fazer uma análise profunda de seu próprio comportamento, avaliando criticamente a questão da água no contexto geral do Semiárido, na apropriação privada de grandes extensões de terras, dos grandes volumes de água, na destinação dos grandes mananciais para o hidronegócio. É preciso incorporar à captação, armazenamento e distribuição da água de chuva a democratização das águas armazenadas nos grandes açudes do Nordeste.

 

Assinam a nota:

 

Diocese de Juazeiro (Em Comunhão e Solidariedade com as Paróquias afetadas: Campo Alegre de Lourdes, Casa Nova, Remanso, Sobradinho, Sento Sé, Pilão Arcado, Curaçá, Uauá e Juazeiro)

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remanso

Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias dos municípios de Juazeiro, Curaçá, Casa Nova, Sobradinho, Sento Sé (SINTAGRO-BA)

União das Associações de Fundo de Pasto de Pilão Arcado

União das Associações de Fundo de Pasto de Casa Nova

Articulação Regional de Fundo de Pasto

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP)

Articulação do Semiárido (ASA) – Casa Nova

Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA)

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Alegre de Lourdes

Grupo de Agroecologia Umbuzeiro (GAU)

Articulação Popular São Francisco Vivo

Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Vale do São Francisco (DCE UNIVASF)

Comitê Regional da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Articulação Sindical da Borda do Lago de Sobradinho

Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA

Associação de Assistência Técnica e Assessoria aos Trabalhadores Rurais e Movimentos Populares (CACTUS)

Grupo Regional de Economia Popular e Solidária (GREPS)

GETeM - Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais

Fonte: UFG/CAC/GETeM